Com efeito, tal como informa a rotativa
de “El Pueblo Gallego”, às sete da tarde na Alameda de Compostela foi
realizado um comício de proporçons monstruosas, no qual se proclamou o
Estado Galego (largando amarras com Espanha) e no qual foi nomeado
Presidente da Junta Revolucionária da República Galega António Alonso
Rios.
Esta informaçom é real, nom se trata de
um relato de ficçom. Estou a lê-la num documento de enorme valor, umha
folha em formato pergaminho que a comissom da Festa da República Galega
editou para as pessoas assistentes ao evento na cita do ano passado.
Esta folha reproduz a capa do jornal compostelano, que narra com todo o
detalhe o acontecido naquela tarde de 27 de junho de 1931 na Alameda,
onde perante umha multidom afervoada se está a produzir um facto
histórico que os consensos políticos posteriores silenciariam.
O contexto histórico em que isto tem
lugar é umha Galiza que vive os dias posteriores à fugida da Espanha do
rei Alfonso XIII para o exílio, umha Galiza ainda marcada no rural pola
forte pressom do caciquismo e as luitas das sociedades agrárias. Há um
detonante, dentro deste clima de fragor pré-revolucionário, que fai
saltar a faísca para que este episódio de claro cariz independentista se
desenvolva; o Estado espanhol paralisa as obras do caminho de ferro
entre Ourense e Compostela, umha medida que evidentemente prejudica o
País social e economicamente, mas que além disso tem umha conseqüência
imediata verdadeiramente amarga: deixa sem emprego 12.000 operários.
Isto provocaria umha forte reaçom social, política e institucional.
Naqueles dias, “El Pueblo Gallego” fala de umha paralisaçom geral na
cidade do Sar, na qual fechariam todos os comércios, obrigando o
Ministério da Marinha a enviar um telegrama à Cámara Municipal com umha
soluçom de continuidade para as obras cuja cópia se colaria em lugares
estratégicos da urbe, ainda que as autoridades municipais nom
acreditassem muito na consistência da soluçom oferecida, ao ponto de que
há um contato telefónico constante com as autoridades homólogas na
capital ourensana para consensualizar a atitude a manter. Segundo
reporta “El Pueblo Gallego”, no povo compostelano tampouco há confiança
nas promessas do governo espanhol e os operários que trabalham nas obras
do caminho de ferro decidem retornar aos seus postos de trabalho, mas
na assembleia onde se adota esta decisom também se chega ao acordo de
que, se a administraçom central nom cumprisse com o que tinha prometido,
a classe operária galega iniciaria umha greve geral revolucionária.
Comício de 27 de junho
Ora, voltando ao incendiário comício de
27 de junho, som para tomar nota algumhas das intervençons extratadas na
crónica. Quiçá seja para muitas pessoas inverosímil ler que de algum
participante no comício da Alameda saírom palavras como “Isto tem que
acabar e vai acabar por cima de todo: Galiza demonstra com clareza que
está em pé, em aberta revoluçom para conseguir a sua liberdade, a sua
autonomia e a sua independência absoluta” ou “neste momento nom nos
interessa a república federal espanhola, mas a República Galega. Vamos
lá proclamá-la por cima de todos os caciquismos, de todos os governos
civis e de todas as arbitrariedades de um poder central!”.
E se isto sai da boca de Carnero
Valenzuela, que se fazemos caso de “El Pueblo Gallego”, foi intensamente
aplaudido e ovacionado polo povo congregado lá, nom serám menos
surpreendentes as palavras do comunista Eduardo Puente a reclamar umha
Galiza “soviética, se figer falta” ou do próprio Alonso Rios a afirmar
que a revoluçom se tinha que fazer na rua “e por todos os meios” porque
“já se esgotou toda via de soluçom humilhante”, ou seja, claramente
chamando à ruptura com a via institucional e à rebeliom nas ruas.
O “perigoso” de recordar isto todo, é
que nesta crónica que hoje parece ficçom, mas que corresponde a um facto
real, identificamos elementos que tenhem vigência plena na atualidade
ou até analogia no futuro. É certo que a realmente proclamada República
Galega nom tivo um percurso muito mais aló do eco manifestado noutros
pontos do País e que tal República nom se chegou a consumar, mas que
todos estes factos tivérom lugar ou que vultos da política galega de
entom se manifestáram nos termos referidos e o figérom obtendo o aplauso
das massas, desmente esse discurso que se refere ao galeguismo como
umha corrente ideológica sempre comprometida com a unidade da Espanha e
nunca rupturista, sobretodo conservadora e em qualquer caso anedótica.
Também desmente o argumento de que a reivindicaçom dos nossos direitos
nacionais seja um posicionamento burguês ou pequeno-burguês, que nada
tenha a ver com as reivindicaçons da classe operária, umha máxima pola
qual organizaçons de esquerda de obediência espanhola tenhem umha enorme
querença.
Destacado papel da classe operária na proclamaçom da República Galega
A julgar polos acontecimentos relatados
naquela capa de “El Pueblo Gallego”, parece que no espectro de forças e
correntes que estavam dispostas a proclamar a independência da Galiza,
estavam os comunistas e, polos vistos, a classe operária tivo um
especial protagonismo naqueles dias. Os trabalhadores do caminho de
ferro estavam dispostos a chamar a classe operária galega à greve geral
revolucionária, e sem aguardarem permissom dos sindicatos espanhois.
Haverá entom que entender que essa classe operária para alguns alheia
sempre às reivindicaçons no plano nacional, aqui se reconhecia sujeito
revolucionário em si próprio, legitimado para iniciar a revoluçom na
Galiza.
Afirmava em linhas mais acima que
recordar isto era “perigoso”. Fundamentalmente é perigoso, nom para os
que somos independentistas convencid@s, que em todo o caso encontramos
aqui provas documentadas de que o independentismo galego sim tem
tradiçom que reivindicar e que nom surgimos do nada; que de facto em
situaçons análogas o nacionalismo e a esquerda revolucionária já
formulou a independência (e o socialismo, soviético por mais sinal) como
resposta. É perigoso para o espanholismo de direita e de esquerda,
porque desmonta o mito de que o povo galego nunca reivindicou realmente a
independência e que isso de reivindicar a independência com postulados
de esquerda é umha invençom fruto das enteléquias de alguns inteletuais e
do mimetismo com outros movimentos de outras latitudes.
Analisando todo o material que nos
oferece a impactante e emocionante crónica, vemos como a proclamaçom do
Estado Galego de 27 de junho e o chamado claríssimo à revoluçom surge da
consciência do papel marginal que já naqueles tempos o projeto nacional
espanhol reservava à Galiza (e nom era umha questom de monarquias ou
repúblicas) do descrédito das instituiçons representativas do Estado
espanhol em solo galego, por ser o acobilho dos caciques, e da situaçom
de opressom que sofriam a classe operária e o povo galego. Claramente
fala-se de que é a ruptura com Espanha o objetivo a alcançar, e que a
maneira de luitar por ela é na rua e nom nas instituiçons. Os parecidos
com a situaçom atual nom fai falta que os explique eu.
Republicanismo espanhol
Há nestes momentos um crescimento da
reivindicaçom republicana a nível espanhol. Tomou impulso em 2006, com o
Ano da Memória promovido polo governo espanhol da época e toma umha
força especial agora que a monarquia espanhola está em horas
especialmente baixas, polo seu envolvimento em casos de corrupçom,
acentuados polos entraves legais para processar e julgar os membros da
Casa Real, o que fai transparecer a desigualdade jurídica entre eles e o
resto dos cidadaos e cidadás do Estado espanhol.
A monarquia foi elemento coesionador no
seu dia, graças à fabulaçom historiográfica fiada em torno da figura de
Juan Carlos I, quem para aceder ao trono jurou os Principios Fundamentales del Movimiento,
mas que depois juraria a Constituiçom e orquestraria um auto-golpe para
aparecer como “herói da democracia” perante a opiniom pública daqueles
anos. O problema é que perante as novas geraçons tanto ele como a
instituiçom da monarquia som um anacronismo.
Isto fai com que o PCE, através do seu
projeto de massas, que é Esquerda Unida, ressuscite o seu durante muitos
anos aletargado republicanismo. Os mesmos que aceitárom a monarquia
como forma de estado para serem legalizados, agora pretendem liderar a
passagem para a república, com a esquerda extraparlamentar como aliada e
somando também os nacionalismos de tradiçom mais pactista (sobretodo
PNV e CiU) sem descartar que UPyD e PSOE se podam incorporar de maneira
ativa a um movimento “revolucionário” que devolva os bourbons ao exílio.
Querem fazer do derrocamento do regime bourbónico a “contradiçom
principal”, deixando em stand by as reivindicaçons de tipo nacional, sobreentendendo-se que a consecuçom da III República espanhola criará per se um quadro mais favorável a que as naçons com aspiraçons de maior soberania consigam um status mais
aceitável para elas, que obviamente nunca passaria pola independência.
Reconheceria-se em todo o caso o direito à autodeterminaçom.
O que se pede às classes populares
galegas, e em particular ao campo soberanista galego, é que fiemos as
aspiraçons do povo galego a umha questom de fé de complicado sustento,
tendo em conta que foi a partir das instituiçons da II República que se
freou a ratificaçom do Estatuto de Autonomia da Galiza de 1936. Porque
foi o entom Presidente da República, Santiago Casares Quiroga, quem
bloqueou esse trámite até o mesmíssimo dia do Alzamiento Nacional.
Foi o mesmo Casares Quiroga que ordenou bombardear a partir do governo
militar da Corunha o povo, que reclamava armas para se defender dos
fascistas. Se a II República espanhola traiu o povo galego, pode
acontecer o mesmo com a III República, e máxime com UPyD e PSOE a
liderarem com o PCE esse processo… a que tipo de acordo no plano
nacional estariam dispostas estas forças? Umha república naturalmente é
melhor do que umha monarquia em princípio, já que nunca numha monarquia
oferece liberdade e igualdade reais a quem tem que viver sob o seu
mandato, ainda que claro, por outra parte que um Estado se constitua em
república nom garante que ofereça condiçons mais avançadas nem no
nacional nem no social.
A África do Sul do Apartheid era umha
república e, em nome dessa república, estava legalmente instituída a
desigualdade racial; a França e a Itália som também repúblicas, mas som
claramente centralistas no que se refere aos níveis administrativos, no
plano lingüístico existe umha só língua que é considerada a da República
e o resto som dialetos, e no social, ambos pertencem à dogmaticamente
capitalista Uniom Europeia.
Porém, o PCE, ainda que tenha um
discurso diferente do que os outros dous partidos sistémicos, foi
partícipe do regime bourbónico desde que aceita a sua instituiçom máxima
em troca de passar a ser legal. Tam partícipe foi que durante décadas
proibiu nos seus atos partidários a exibiçom de bandeiras tricolores,
essa que agora querem que ondeemos nós e a aceitemos em pé de igualdade
com a nossa estreleira. Proibiu isso, e proibiu a memória dos que
matárom e morrérom por essa bandeira. E agora querem-na impor a aqueles
que nom temos na reivindicaçom da III República espanhola um ojetivo
central nem essencial, porque nom consideramos Espanha a nossa naçom,
ainda que evidentemente saudássemos que mais umha monarquia no mundo
caísse. Querem que deixemos de parte as nossas reivindicaçons, que
consideram veleidades e enteléquias pequeno-burguesas, mas proíbem que
se reivindique ou se nomeie a guerrilha galega, que falemos de
Henriqueta Outeiro, de Gomes Gaioso, de Manolo Velho, de Benigno
Álvares, porque pretendem ter a exclusiva sobre a sua memória e o seu
legado. Detalhes como a proclamaçom da República Soviética da Galiza
também naqueles dias de junho de 31 em Ourense, a defesa da língua
galega e os direitos nacionais por parte do Benigno Álvares, a luita
heroica da Henriqueta e a sua defesa da auto-organizaçom dos comunistas
galegos, isso todo, quebra a visom metropolocêntrica e uniformizadora
que eles dam da resistência contra o fascismo.
A questom é que, em primeiro lugar, esse
dogma de que todo progressista que morar no Estado espanhol deve ter a
República espanhola como horizonte necessário para outros horizontes é
como mínimo subscetível de ser posto em causa, toda vez que o facto de
que o Estado espanhol se constitua em república nom neutraliza os
setores que historicamente se opugérom aos direitos nacionais da Galiza
ou de outras naçons. De facto, a oligarquia espanhola no seu dia
franquista, e até hoje monárquica, poderá voltar-se republicana e
pactuar um mutis da monarquia com o próprio Juan Carlos se
virem que é necessário. Porque essa oligarquia já tem experiência em
pôr-se à frente das situaçons antes de que essas situaçons a superem,
porque fôrom eles os que propiciarom o advenimento da II República,
porque fôrom eles os que alimentárom o terrorismo fascista para combater
o movimento operário e camponês e mesmo com o tempo convertêrom á
organizaçom pistoleira Falange no seu projeto político, ou nom estava
pragada a Falange de ex lerrouxistas e ex-cedistas?
E, em segundo lugar, há antecedentes de
rebeliom real contra Espanha e com umha orientaçom de esquerdas com
claro protagonismo do movimento operário. Os comunistas galegos de
prática independentista nom estamos instalados em projetos produto de
experiências de laboratório, vimos de algumha parte. O Sempre en Galiza
de Castelao nom é a Bíblia inquebrantável e esse hispanismo impossível e
eterna fonte de frustraçons nem é o teito ideológico máximo ao qual
podemos aspirar, nem reflete de maneira total Castelao, pois a sua
proximidade política e humana do grupo de A Fouce, nom é um acaso, de qualquer jeito.
Nom acreditamos numha esquerda oficial
espanhola que pactuou a sua entrada no clube das organizaçons do regime
em troca de trair a memória dos seus luitadores em defesa da República
espanhola, mas sobretodo pola dignidade humana, e que durante o regime
bourbónico vendeu no plano sindical em repetidas ocasions a classe
operária galega.
Defenderemos sempre a necessidade, e nom
a opçom, de que este povo construa umha pátria livre e independente,
sem opressom de classe nem de género. E essa luita sim é nossa,
inassumível para a burguesia galega que nos ódia e nos teme da maneira
mais visceral. Por algum motivo será.
Ramiro Vidal Alvarinho fai parte da Direçom Nacional de NÓS-UP